terça-feira, 3 de maio de 2011

A INAPLICABILIDADE DOS JUROS E DA MULTA DE MORA SOBRE QUITAÇÕES EXTEMPORÂNEAS DAS ESTIMATIVAS MENSAIS DO IRPJ E DA CSLL E A DECISÃO DO CARF

Não se tem notícia de que essa tese tenha sido trazida à discussão nos julgamentos do CARF, ou mesmo do antigo Conselho de Contribuintes antes de dezembro de 2009, quando suscitei a questão na declaração de voto que fiz nos autos do PAF nº 11516.003062/99-20.

O entendimento, manifestado naquela declaração de voto, denotou a progressão do meu posicionamento em relação aos votos que vinha proferindo até então, o que se deu em função da apreciação que fiz de um Parecer Jurídico inédito sobre o tema, da lavra do Ilmo. Dr. Leonardo Mussi da Silva.

Os argumentos daquele parecer me demoveram de antigas premissas e passei a adotá-los integralmente em meus votos, a partir de então, acrescentando-lhes também outros fundamentos que embasaram a decisão proferida nos autos do PAF nº 10980.014666/2006-14 da 1ª Seção do CARF, na qual fui designado para redigir o voto vencedor com a seguinte ementa:

“MULTA DE MORA - ESTIMATIVAS DO IRPJ E DA CSLL RECOLHIDAS OU COMPENSADAS EM ATRASO - INAPLICABILIDADE POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL.
A multa de mora, tipificada no art. 61, da Lei nº 9.430/1996, pressupõe a existência de uma obrigação líquida e certa, cujo fato gerador tenha efetivamente ocorrido, o que não se verifica no caso dos recolhimentos ou compensações mensais das estimadas do IRPJ e da CSLL, feitos com atraso, cujo fato gerador só ocorre ao final do período-base de apuração, tornando ilegal, nesta circunstância, a aplicação da penalidade moratória, em consonância com as disposições do art. 112, II do CTN.”

Os fundamentos que nortearam a referida decisão estão discorridos como segue.

A controvérsia quanto à inaplicabilidade da multa moratória e dos juros sobre a quitação extemporânea das estimativas do IRPJ e da CSLL, que serão ajustadas na apuração anual desses tributos, está no fato de que, invariavelmente, tais acréscimos são exigidos dos contribuintes, com fundamento na Lei nº 9.430/1996, art. 61, § 3º, sem levar em consideração características próprias desses tributos e dos seus pagamentos, os quais devem ser cotejados com a hipótese prevista na lei, em seus estritos limites, a fim de verificarmos se lhes aplica tal exigência. Observemos primeiro, os aspectos relativos à multa moratória e depois os atinentes aos juros, vejamos.

A legislação do IRPJ e da CSLL, que versa sobre o pagamento mensal por estimativa, ajustado pelos balancetes de redução e suspensão, dispõe que as pessoas jurídicas sujeitas à sistemática do Lucro Real anual podem optar pelo pagamento mensal do tributo de forma estimada, como antecipação do tributo devido[1], a ser apurado ao final do ano, mais especificamente em 31 de dezembro.

Desta forma, as antecipações realizadas durante o ano-calendário, quer aquelas correspondentes a um percentual sobre a receita bruta da empresa, ou mesmo as que decorrem de balanços de redução e suspensão destes tributos, são apenas valores estimados, provisórios, sem caráter definitivo, cuja notória precariedade perdura até o final do correspondente período de apuração.

Logo, é nesse momento, em 31 de dezembro, que efetivamente ocorre o fato gerador do IRPJ e da CSLL, em se tratando de apuração anual[2], tornando a dívida destes tributos líquida e certa, somente a partir deste lapso temporal.

Com efeito, não tendo ocorrido o fato gerador, no momento do pagamento das estimativas, forçoso concluir quanto à natureza jurídica dos recolhimentos, que não se tratam de tributos, propriamente ditos, mas sim de meras antecipações dos seus pagamentos.

Portanto, uma vez elucidada, tanto a natureza jurídica quanto as características das compensações ou pagamentos sobre os quais se discute a incidência da multa moratória, resta saber se sobre eles recai a referida sanção, cuja tipificação da conduta prevista na Lei nº 9.430/1996, assim versa:

“Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.” (Nossos Grifos)

Verifica-se que o dispositivo transcrito trata primeiramente dos “débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal”, como forma de delimitar o campo de incidência da norma legal.

Observe-se, ainda, que o mesmo dispositivo, imputa condições à aplicação da penalidade da multa de mora, qual seja, a de que esta só recairá sobre os débitos cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997”, ou seja, o pressuposto condicionante da norma legal para a aplicação da multa moratória é a ocorrência do fato gerador dos débitos tributários a partir da data fixada naquela norma.

Assim, o acréscimo da multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia (limitado em 20%), somente se aplica aos débitos de tributos e contribuições administrados pela RFB pagos em atraso, cujos fatos geradores, descritos na regra matriz de incidência, tenham efetivamente ocorrido.

Se não há sequer fato gerador, não há que se falar em obrigação tributária líquida e certa, mas apenas em uma exigência precária, não definitiva.

Por isso, esses pagamentos não se referem a tributos propriamente ditos, por lhes faltar os elementos essenciais para tanto, tais como, o de ser uma prestação compulsória[3] ou ter um fato gerador[4].

De fato, o próprio CTN ao dispor sobre o conceito de fato gerador, asseverou que este “... é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” [5](Nossos Grifos).

Também nesse sentido, para que haja a ocorrência do fato gerador, com o consequente surgimento da obrigação tributária, é condição “sine qua non” que todos os elementos da regra matriz de incidência estejam presentes, sob pena de perda da sua exigibilidade[6].

No caso, carece a situação fática de parte desses elementos, notadamente o aspecto temporal da hipótese de incidência, pois o transcurso do lapso temporal, previsto na lei, para apuração anual do IRPJ e da CSLL não se completou, pois se dá apenas em 31/12.

Isto porque, no curso do ano calendário, quando se exigem os pagamentos das antecipações, por meio de estimativa, a apuração anual ainda não ocorreu, logo, não há que se aventar a ocorrência do fato gerador antes de transcorrido esse lapso temporal.

No caso específico do Imposto de Renda, notadamente sobre o aspecto temporal da sua hipótese de incidência, segundo o saudoso Nilton Latorraca, é certo que a “importância do tempo é decisiva. E tanto é assim que o direito desconhece a existência de renda antes do tempo marcado e fora das condições estabelecidas pela norma jurídica (hipótese de incidência), mesmo que de fato ela exista e seja notória.”[7] (Grifamos).

Portanto, como bem destaca Ricardo Mariz de Oliveira, o fato gerador “considerado como “situação necessária e suficiente à sua ocorrência”, na breve mas precisa dicção do art. 114 do CTN, somente se completa ? em fim, somente existe - no encerramento do período-base, pois antes deste evento, não há o fato completo, não há a situação necessária e suficiente, não por uma simples exigência formal, mas, sim, por duas razões reais:
- a primeira é que, até o instante final, algo pode vir a mudar a situação patrimonial da pessoa;
- a segunda, e principal, é que a situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária é constituída por todo o período de tempo previsto na lei como período-base, de sorte que, enquanto ele não estiver completo e terminado, não há a situação necessária e suficiente.”[8] (Nossos Grifos).

Vê-se, pois, que não há como imputar ou exigir qualquer obrigação tributária antes do tempo marcado e fora das condições estabelecidas na lei, sob pena da sua invalidade, tal como, in casu, se pretende fazer ao exigir multa de mora sobre antecipações estimadas do IRPJ ou da CSLL.

Destaque-se, também, que os pagamentos do IRPJ e da CSLL feitos com base no regime de estimativa são feitos em razão de uma opção do contribuinte. Aliás, a própria lei ao tratar da quitação do IRPJ é de clareza meridiana quando diz ser a antecipação uma opção “pelo pagamento do imposto”[9], o que corrobora a falta da característica compulsória[10] nesta prestação, que é inerente e indissociável da qualidade de tributo. Tais parcelas antecipadas, portanto, não constituem verdadeiros tributos.

Tanto isso é verdade que as próprias autoridades administrativas, após o encerramento do ano-calendário, estão proibidas de cobrar tais valores calculados de forma estimada[11].

Tratam-se, portanto, as antecipações de verdadeiros ativos do contribuinte, que serão formados ao longo do ano-calendário, como a própria RFB já reconheceu[12].

Nesse compasso, não há como imputar ao contribuinte uma mora em razão do ativo constituído fora do prazo ou pelo ativo que deixou de ser constituído. A mora, e com mais razão ainda, a multa de mora, pressupõem sempre a existência de uma obrigação consubstanciada numa dívida líquida e certa, cujo fato gerador tenha efetivamente ocorrido, o que não se verifica no caso em exame.

Ora, é, por demais, óbvio que direitos e obrigações não se confundem, mas, ao contrário, são completamente distintos e opostos um ao outro, logo, não faz nenhum sentido imputar a multa de mora sobre um direito, qual seja, o ativo decorrente de um pagamento antecipado, que difere de uma obrigação que só ocorre ao final de cada ano.

Também não se pode aplicar a multa de mora sobre as estimativas mensais sem que haja qualquer disposição legal expressa nesse sentido, pois é imprescindível a perfeita adequação entre a descrição contida na lei com a situação do fato concreto, para que aquele fato jurídico produza seus efeitos, o que não se verifica na situação analisada.

Deste modo, se não há disposição legal expressa a imputar dita penalidade, a sua aplicação só poderia advir de uma interpretação mais extensiva daquela norma.

Nesse sentido, apenas para argumentar, para que fosse feita essa interpretação, seria necessário, na compreensão do dispositivo sancionador[13], que a expressão cujos fatos geradores ocorrerem” fosse suprimida, tornando tal vocábulo mera letra morta, sem qualquer utilidade no contexto em que foi inserido, para, com isso, abarcar uma situação não contemplada expressamente na lei.

Ademais, ainda que isso fosse possível, não há como fazer esse tipo de interpretação sem abstrair do seu conteúdo o sentido mínimo do texto legal, o que em regra não se admite, ainda mais quando se trata da aplicação de norma sancionadora.

De fato, segundo Neder “Em se tratando de normas sancionadoras, não é possível a interpretação que privilegie apenas a finalidade sem se preocupar com o sentido mínimo do texto, de forma a estender a punição além das hipóteses figuradas na lei.” [14] (Nossos Grifos)

Desta forma, exigir a multa de mora sobre as estimativas mensais com fundamento no art. 61, da Lei nº 9.430/1996, implica em fazer uma interpretação bem mais abrangente e severa desse dispositivo, visando a abarcar uma situação não contemplada naquela norma, contrariando as disposições preconizadas no CTN, que prevê, para estes casos, a regra de interpretação que é mais favorável ao contribuinte[15].

Verifica-se, pois, que a existência de mais de uma possibilidade de interpretação, “per si”, de uma norma que comina a aplicação de penalidade, como a do caso em análise, onde se cogita incidir ou não multa de mora sobre o pagamento ou compensação das estimativas (apontadas no caso concreto), nos remete, compulsoriamente[16], às regras de interpretação das normas tributárias previstas no próprio CTN (art. 112), que determinam a aplicação da regra mais favorável ao acusado (contribuinte).

Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado que “a regra do art. 112 tem nítida função de tornar efetivo o princípio da legalidade”[17], por conseguinte, quando houver dúvida quanto à aplicação de determinada penalidade, o CTN aponta como solução que o “princípio da legalidade, juntamente com o da tipicidade, vetores mestres da tributação, impõe que qualquer dúvida sobre o perfeito enquadramento do fato à norma, é de ser resolvida em favor do contribuinte[18]. (Nossos Grifos).

Com efeito, verifica-se que a interpretação de que a penalidade prevista no art. 61 da Lei nº 9.430/1996, pode também ser aplicada sobre as estimativas não recolhidas ou compensadas na época própria, não se coaduna com as regras de interpretação da norma tributária previstas no aduzido dispositivo, por não ser esta a regra mais favorável ao contribuinte, o que não se pode conceber.

Cumpre esclarecer, ainda, que a inadimplência das obrigações de antecipar os pagamentos estimados ao longo do ano, no regime de apuração do lucro real anual, não está imune a aplicação de penalidade. Não é isso que se defende, ao contrário, o legislador pode e deve estipular mecanismos para forçar ou, por que não, coagir, o contribuinte a recolher as antecipações no regime em comento nos prazos estipulados pela própria norma. Mas para tanto, poderia estabelecer, por exemplo, a penalidade de exclusão do regime anual para o regime trimestral, ou qualquer outra sanção, mas desde que o faça por meio de norma legal expressa e válida, a qual inexiste no momento.

Aos juros de mora, não assiste melhor sorte, aplica-se o mesmo raciocínio, até aqui discorrido, relativamente à multa de mora, pois, de acordo com o § 3º, do artigo 61, da Lei nº 9.430/96, os juros se aplicam somente aos débitos de que trata a cabeça do dispositivo, ou seja, aos débitos cuja multa de mora seja aplicada. Eis o que diz o dispositivo referente aos juros de mora:

“§ 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento.” (Nossos Grifos).

Desta forma, não se aplicando a multa de mora sobre as estimativas do IRPJ e da CSLL, pagos ou compensados com atraso, indevido igualmente é a incidência dos juros de mora sobre estas, posto que, se não há fundamento legal para exigência da multa de mora, também carece de fundamento legal a exigência dos juros moratórios, pelos mesmos argumentos outrora discorridos.

Destarte ainda, que em relação aos juros de mora, há também uma situação, no mínimo curiosa, pois, dentre as nobres atribuições conferidas ao CARF, é cediço que essa instituição “... têm o dever legal, mesmo que de oficio, de apreciar a legalidade do lançamento[19], mas, uma ironia do destino, quis que essa mesma entidade, que zela pela legalidade das exigências tributárias, viesse a ser mantida com recursos provenientes de uma exigência ilegal, uma vez que os juros de mora tratados neste estudo[20], como sendo ilegais, são uma das fontes de custeio deste órgão[21].

Felizmente, esse mesmo destino, está propiciando ao CARF a oportunidade de reconhecer e reparar, em seus julgamentos, essa situação, fazendo, por conseguinte, cumprir sua nobre função.


[1] art. 2º da Lei nº 9.430/1996, combinado com o art. 35 da Lei nº 8.981/1995.
[2] CSRF/Acórdão nº 01-05.875, PAF nº 10384.000638/2004-79, Relator Marcos Vinícius Neder de Lima, Data da Sessão: 23/06/2008.
[3] art. 3º da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[4] art. 4º da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[5] art. 114 da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[6] CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 12ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, pg. 236.
[7] LATORRACA, Nilton. Direito Tributário ? Imposto de Renda das Empresas. 14. ed. atualizada por Rutnéa Navarro Guerreiro e Sérgio Murilo Zalona Latorraca. São Paulo: Editora Atlas, 1998, pág. 130.
[8] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Editora Quatier Latin, 2008, pag. 494.
[9] art. 2º, § 3º da Lei nº 9.430/1996
[10] art. 3º da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[11] art. 15, § § 1º, 2º, 3º, art. 16, I, II e art. 49 da IN SRF n° 93/1997.
[12] Resposta da questão de nº 025 do Perguntas e Respostas da DIPJ2010.
[13] Lei nº 9.430/1996, art. 61
[14] NEDER, Marcos Vinicius. O regime jurídico da multa isolada sobre estimativas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 16, maio ? junho ? julho - agosto, 2007, pag. 5.
[15] art. 112 da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[16] art. 107 da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[17] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, v. II, 2004, pag. 279.
[18] OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, pag. 286.
[19] Acórdão nº 106-17.000 de 06/08/2008, 6ª Câm. 1º Cons. Contribuintes, Rel. Dr. Giovanni Christian N. Campos.
[20] Lei nº 9.430/1996, art. 61, § 3º.
[21] Lei nº 9.716/1998: “art. 4º Fica restabelecida a destinação, ao FUNDAF, da receita de que trata o § 3º do art. 61 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”; Decreto-lei nº 1.437/1975, art. 6º, parágrafo único, “a”: “Parágrafo único. O FUNDAF destinar-se-á, também, a fornecer recursos para custear: (Incluído pela lei nº 9.532, de 1997) a) o funcionamento dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, inclusive o pagamento de despesas com diárias e passagens referentes aos deslocamentos de Conselheiros e da gratificação de presença de que trata o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 5.708, de 4 de outubro de 1971; (Incluída pela lei nº 9.532, de 1997)”(Nossos Grifos)